sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Muito mais do que um cheirinho de eliminação


Eu aposto que até agora você nunca havia ouvido falar da equipe do (Club Deportivo) Palestino. Aliás, até a última quarta-feira, quando esse time proporcionou péssimas experiências ao Flamengo e à sua torcida(e muita alegria e gozações aos seus rivais, hahaha) e trouxe uma cheirinho de eliminação em competições internacionais pra Gávea mais uma vez.

Aposto que desse cheiro a torcida rubro-negra não tá gostando

Esse time chileno foi fundado em 20 de agosto de 1920, na cidade de Osorno(945km de distância da capital Santiago), por um grupo de imigrantes palestinos como forma de homenagem à sua cultura, adotando como cores o vermelho, branco, verde e preto(sim, as cores da bandeira do estado palestino). Não coincidentemente, é no Chile que se encontra a maior comunidade de imigrantes palestinos do mundo, cerca de 350.000 pessoas. Sua expressividade no futebol local pode não ser das maiores, mesmo assim, o time já levantou o caneco do campeonato chileno da primeira divisão em duas oportunidades: 1955(quando ganhou o apelido de 'Milionários' por atrair jogadores de renome) e 1978(capitaneados por ninguém mais, ninguém menos que Elias Figueroa - para muitos, o melhor jogador chileno da história), além da Copa do Chile em 1975 e 1977. 

Figueroa em ação pelo Palestino

Em sua origem, o Palestino só aceitava jogadores que tivessem ascendência árabe. Com o tempo, a prática mudou, a inserção de jogadores chilenos e estrangeiros aumentou e o resultado foi a conquista do nacional de 1955, o que agregou popularidade ao time. É lógico que a imbricada associação com a 'causa' palestina permanece. Em 2014, o time substituiu o número 1 nos uniformes dos jogadores em partida do campeonato chileno pelo antigo mapa do estado palestino, anterior à 1945 e a consequente criação de Israel. O fato gerou protestos de diversas organizações judaicas chilenas, além de render uma multa por parte da Federação Chilena de Futebol. Em 2015 o time conseguiu um feito histórico: voltou a participar da maior competição de clubes da América, a Copa Libertadores, o que lhe rendeu inclusive uma mensagem por parte do presidente da autoridade nacional palestina, o premier Mahmoud Abbas. Além disso, desde 2010 o clube é patrocinado pelo Bank Of Palestine, uma das principais instituições financeiras do território asiático. 

Foto pré-jogo de 1975 - ano em que o time ganhou a Copa do Chile

O que não quer dizer que o time exista exclusivamente em função da 'causa', ou que siga preceitos radicais islâmicos, como explica o atual presidente Eduardo Heresi em entrevista ao portal globo.com: "Não temos costumes algum ligado à religião muçulmana e por um motivo bem simples: somos quase todos imigrantes e descendentes de imigrantes cristãos aqui no Chile. 95% são católicos. Há poucos muçulmanos no Chile." Heresi, que é um empresário do campo da importação, explica ainda que a folha salarial do time gira em torno de 150 mil dólares(o gasto total mensal fica em torno de 350 mil dólares) por mês e fala que, ao contrário do que se possa imaginar, um jogador judeu seria bem vindo ao time e mandaria um sinal para todas as pessoas que insistem em fomentar o interminável conflito no Oriente Médio: "Se vier um judeu e tiver de acordo em jogar no nosso time, estaria dispostos a recebê-lo, com as portas abertas. Seria uma iniciativa maravilhosa do futebol pela paz, pela união. Não queremos separação, conflitos, nada disso."  

O time, hoje radicado em Santiago, joga em um campo pequeno, no bairro de La Cisterna, com capacidade para apenas 10 mil pessoas, que é alugado junto à prefeitura e não dispõe de iluminação artificial, o que faz com que todos os jogos tenham de ser jogados com luz natural. Mesmo assim, possui uma torcida fiel, em média 2.000 torcedores por partida, além da simpatia de muitos do outro lado do planeta, no Oriente Médio, que vêem na equipe chilena motivo de orgulho e representatividade de suas lutas e dificuldades na busca por um pedaço de chão. 

 
Imagens do jogo contra o Colo Colo, em 1978, e posterior comemoração do título chileno daquele ano.


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

God save the English Team

Quem acompanha um pouco do futebol inglês já deve, pelo menos um punhado de vezes, ter ouvido falar em Sam Allardyce. Também conhecido como 'Big Sam', o experiente técnico inglês de 61 anos têm no extenso currículo passagens por inúmeros times de variadas divisões do futebol da terra da rainha. Seu trabalho mais expressivo foi no Bolton Wanderes, onde ficou de 1999 a 2007(curiosamente foi também no Bolton que o zagueiro Sam teve maior destaque enquanto jogador, ganhando a segunda divisão na temporada 1977-1978), construindo um bom time que retornaria à Premier League, alcançaria uma semi-final da Copa da Inglaterra, uma final de Copa da Liga, além de levar o time pela primeira vez na história à Copa da UEFA - atual Europa League. O bom trabalho inclusive o fez ser considerado para o cargo de treinador da seleção inglesa, que ficaria vacante após a Copa do Mundo de 2006, quando o sueco Sven-Goran Eriksson deixaria o posto. No entanto, após realizar uma série de entrevistas com outros treinadores, a Federação Inglesa decidiu contratar Steve Mclaren e o resultado mais imediato foi a não classificação à Euro de 2008, mas isso é papo pra outro post. 
Big Sam e Anelka nos tempos de Bolton

O sonho não concretizado em 2006 veio acontecer dez anos depois, em 2016. Após a desastrosa campanha do selecionado inglês na Euro desse ano, na França, onde o time foi eliminado pela inexpressiva Islândia na fase de oitavas de final e a consequente demissão do técnico Roy Hodgson, Big Sam - após mais um bom trabalho, dessa vez no Sunderland - foi apontado para o que chamou de seu 'dream job', o trabalho dos sonhos. O cenário era repetido: time inglês eliminado de uma grande competição de maneira vexatória, necessidade de reformulação na seleção, safra ruim de jogadores, mais ou menos o que nós brasileiros também passamos após a Copa de 2006, com o agravante de que, enquanto o Brasil é pentacampão mundial, o time inglês possui apenas uma copa do mundo, além de acumular expectativas, chegando aos torneios sempre entre os favoritos e terminando de maneira decepcionante. 

Allardyce sendo apresentado como técnico da Inglaterra

Começou bem o trabalho. Vitória suada por 1x0 contra a Eslováquia, fora de casa, pelo grupo F das eliminatórias para a Copa de 2018. Os próximos dois jogos contra Malta e Eslovênia no início de Outubro já se aproximavam quando os tabloides ingleses resolveram mais uma vez fazer seu típico papel de vender sensacionalismo à todo custo. Repórteres do The Telegraph simularam ser investidores e, em um encontro com o técnico inglês gravado às escondidas, flagraram o treinador dizer que seria possível burlar as rígidas regras da Federação Inglesa no que tange à transferência de jogadores e a participação de terceiros, o que é proibido desde 2008. Além disso, Allardyce fez comentários jocosos sobre o treinador anterior, Roy Hodgson, além de dizer que o príncipe Harry seria um "menino safado" que "mostrava tudo e mais pouco" - seja lá o que isso quer dizer. Estava posto o prato cheio pra imprensa. Assim que a matéria foi publicada, todos os jornais ingleses a noticiaram e a Federação Inglesa, embaraçada, disse que medidas estavam sendo tomadas e o caso investigado.

Big Sam e a gravação do The Telegraph

Como era de se esperar, ontem, após reuniões na sede da federação, foi anunciado em comum acordo de partes que o técnico não mais permaneceria no comando da seleção. Após apenas 67 dias, o menor período de um treinador na história do selecionado inglês, o sonho de Big Sam - e toda uma carreira preparada para isso - estava acabado. A mídia inglesa, sempre espetaculosa e disposta a vender, não importando o preço que as pessoas envolvidas tenham que pagar, havia feito mais uma vez sua parte. Big Sam se pronunciou, pediu desculpas, disse que se sentia profundamente envergonhado e avisou que estaria viajando de férias, mas que logo logo esperava estar de volta no mercado. Empregadores não vão faltar. O futebol é dinâmico, as glórias e vergonhas pessoais são rapidamente esquecidas e Allardyce já provou ser um bom treinador. 

Quanto à seleção, será assumida pelo treinador do Sub-21, Gareth Southgate, pelos próximos 4 jogos enquanto a FA tenta acalmar o ambiente e definir os próximos passos para o apontamento do novo treinador. O processo de reconstrução sofre um baque e as hienas da mídia riem e agradecem por terem combustível novo pra alimentar seus jornais por algumas semanas. O torcedor inglês, um dos mais apaixonados do mundo, sofre vendo sua seleção acumular resultados vexatórios seguidos(Não classificação à Euro 2008, eliminação na primeira fase na Copa de 2014, eliminação pela Islândia na Euro 2016) e aumentar a pecha de "favorito de mentirinha" que acompanha o selecionado desde a muito tempo. 


Eliminações, eliminações everywhere.


Sinais de mudança parecem longe. Basta ver a pouquíssima presença de jogadores ingleses nos times titulares das grandes equipes da Premier League, o baixo investimento no incentivo ao desenvolvimento de talentos locais, preferindo-se a contratação de estrangeiros na mais tenra idade, o declínio técnico/físico visível do capitão e talismã Wayne Rooney, além do eterno processo de sabotagem interno promovido pelos jornais ingleses. As perspectivas não são nada boas. God save the English Team.  

O sonho de repetir esta cena está cada vez mais distante














segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Confiança fora da linha


Hoje é sábado. Véspera de clássico. Não é mata-mata, mas é jogo importante na tabela. Você está em casa querendo que o jogo chegue logo. Lembrando da aposta que fez com o amigo e que tem que passar no mercado pra comprar a cerveja paro o dia seguinte. Antes de finalmente sair você olha o site de esportes mais uma vez na esperança que a lesão do seu camisa 10 tenha magicamente desaparecido. Para sua surpresa você vê um vídeo que acabou de ser colocado por uma amigo no Facebook. No vídeo está lá o presidente da comissão de arbitragem da CBF, em uma festa. Uma festa dentro da sede da organizada do seu rival. O rival do jogo de amanhã.
O palavrão sai no automático. Pobres mães. Quando você para de xingar, volta o vídeo e vai escutar o que o infeliz está falando no vídeo. Ele está acalmando um dirigente ao dizer que o juiz para a partida de amanhã é sim preparado. Conversou com o árbitro pessoalmente e assegura que ele sabe da importância do jogo de amanhã. Você já espalhou o vídeo para todos seus amigos. Finalmente você sai de casa, acaba comprando mais cervejas do que o esperado. Você sabe que esse nervosismo antes de jogo ainda vai te dar um troço, mas fazer o quê? A cerveja dá conta. O sono chega e a hora do jogo também.
No caminho para o estádio os jornalistas debatem o vídeo da noite anterior. Mais palavrões. Você desliga o rádio. Já basta de stress. O que importa é o jogo. O time não pode perder, basta não perder. O substituto do camisa 10 é bom. Meio velho, é verdade mas tem seus lampejos e impõe respeito. Vai dar tudo certo. Respira, bebe, fuma e entra no estádio. Vai começar, canta algumas músicas para relaxar. A confiança toma conta. A torcida veio em bom número e não tem nada melhor.
Começa o jogo. Jogo começa nervoso. 10 minutos, 5 faltas. Travado, feio. Faz parte. Bola enfiada para o lateral do seu time, leva para a ponta, tenta o drible e perde. Tapa na frente e lá vem contra-ataque. O meia dele passa por um, dribla o segundo o campo se abre e lá vem o jogador do seu time, atrasado como sempre, no carrinho. Falta dura. No contra-ataque. Você prende respiração. Foi falta, sem dúvida, mas na mesma hora vem à memória o vídeo da noite anterior. Da conversa entre o chefe da comissão de arbitragem e um cartola do time adversário. Lá vem o juiz enérgico, lá vem merda. Vermelho! A torcida urra. São só 10 minutos de jogo e ele já expulsa o jogador. Lá no fundo da sua consciência você sabe que a falta foi dura, mas o vídeo berra na memória. É muita coincidência, não pode ser coincidência, pode? Foda ficar com essa dúvida pelo resto do jogo. Agora não confia em mais nada que o árbitro apita. Ai você escuta o amigo que bebeu demais do seu lado tentar fazer uma brincadeira; ainda bem que no vídeo era só o chefe dos árbitros. Podia ser pior. Como podia? Eu pergunto sem tirar o olho do campo. Já imaginou se fosse o ministro de Justiça. Imagina?!

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Renovando a paixão



            Já vimos essas cenas várias vezes, seja pela tv ou no estádio pais e filhos juntos, uns sem a mínima idéia do que está acontecendo, outros já entendendo e se encantando a cada jogo que comparece. Ir ao estádio é sublime, abraçar desconhecidos na hora do gol, aquele grito de “uuuuuhhhh” quando a bola passa raspando a trave, ouvir berros no campo, são milhares de coisas impossíveis de se vivenciar assistindo o jogo no sofá de casa.

Dito isto, relato rapidamente a primeira recordação que tenho do estádio acompanhado de meu pai e irmão mais velho. Fomos ao Castelão aqui em Fortaleza acompanhar uma final de estadual entre Vovô e Tricolor, no começo dos anos 90, jogo muito disputado, estádio abarrotado e uma disputa de pênaltis que teve o Ceará como vencedor. Era um encanto só, cores, cânticos e muitas outras coisas que só havia visto pela tv ou escutado pelo rádio, e que guardo com carinho até hoje. Felizmente ainda vou ao estádio algumas vezes, tanto pra ver jogos do Ceará ou do Fortaleza, apesar de não torcer pra nenhum deles gosto muito do ambiente, apesar dos percalços já conhecidos por quem freqüenta mais vezes. Contudo quero reforçar aqui a importância de um componente que está em todos os estádios pelo mundo, da várzea a mais moderna arena, rico ou pobre, assíduo ou não, e que tem na ingênua paixão o fator comum: a garotada;

       Mãe e filho na Turquia, partida do Fenerbache.

Faça uma busca rápida no Google, você verá imagens das mais variadas, crianças de todas as faixas etárias, vídeos de pais orgulhosos do primeiro registro, outros já entoando algumas músicas do time, deve ser uma sensação incrível pro pai ou mãe acompanhar este momento único, algo que espero desfrutar com o(s) meu(s) da melhor forma. Mas nem tudo são flores, há quem ache uma loucura descabida levar alguém que não entende o que está acontecendo no campo, relatar todos os contras em relação a esta atitude, e pregar aos quatro cantos do mundo que isso é uma bobagem ( bobagem é o c@#$%).
                                                                                                               

                                         






                                           Pequeno torcedor do Feyenoord se ambientando desde cedo.

Aqui na terrinha nossos campeonatos se aproximam do fim, já temos algumas certezas em cada divisão, a Copa do Brasil acrescenta um pouco de emoção e remonta aos antigos mata-matas que tínhamos no Brasileirão, a sempre acirrada e imprevisível briga no acesso pra série B, e o verdadeiro bolo de pontos no acesso da segundona pra A. Paralelo aos nossos campeonatos, a temporada européia começou recentemente com suas competições mais famosas, a UCL, a Premier, La Liga, Calcio, já dão o ar da graça na telinha.

Mas voltando pro lado de cá, e alheio aos problemas que temos, ingressos exorbitantes, falta de segurança, acesso complicado, o torcedor brasileiro é esperançoso por natureza. Por mais que a gente reclame dos nossos, e alguns pregam o modelo europeu como a salvação para todos os males, insisto que essa paixão deve ser renovada de geração em geração, independente dos malefícios existentes. Então torcedor não se aborreça, se seu time está mal das penas não desista, se caiu acuse o golpe e se levante próximo ano, e acima de tudo dê a devida importância pra “pivetada”, gurizada, molecada e criançada país afora. Leve o seu filho pro estádio sempre que possível, compre aqueles mil apetrechos pra ele, ensine o impedimento, ensine a xingar (da maneira mais clubista possível), explique porquê o juiz é ladrão, faça-o começar a respirar futebol desde cedo e se apaixonar pelo esporte bretão. Não deixe o futebol morrer, não deixe o futebol acabar.

                                                     
                         “Enquanto houver um coração infantil o Vasco será imortal”


Denis Mourão

administrador, corredor, vascaíno e boêmio sim senhor /+/


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Eu quero votar para presidente!

O que o futebol tem a ver com voto e democracia?


O futebol teve papel importante na redemocratização brasileira.


       É lugar comum fazer a velha associação entre futebol e alienação popular. Aqueles que tentam fazer um comentário profundo vão buscar na antiguidade clássica a associação rasa que chama o futebol de pão e circo da atualidade. É bem verdade que existem manipulações e são muito bem feitas com todos seus fetiches e outros significados.  Mas aqui não adotaremos esse olhar unilateral do “futebol ópio popular”.

      Se passarmos a perceber que o futebol não pode ser analisado separado da sociedade em que se desenvolve, começaremos a entendê-lo como espaço de manifestações não só esportiva, mas sociais e políticas.

      Assim, para enfrentar a equipe do “Lugar Comum Futebol Clube”, que tem uma torcida bastante barulhenta mas pouco preparada, escalo a Democracia Corinthiana para campo. Mais precisamente para analisar o contexto social do fim da ditadura e o movimento “Diretas já”.

      O mesmo esporte que fora usado pela ditadura civil-militar no Brasil para propagandear e exaltar o governo várias vezes (tomemos como exemplo apropriação feita pela seleção brasileira na Copa do Mundo do México em 1970: “Pra frente Brasil, Salve a Seleção”), também serviria como ferramenta de comoção popular para o retorno da democracia.

      Em 1981, um grupo de jovens desportistas de um dos clubes mais populares do Brasil, o Sport Club Corinthians Paulista, começava a dar importância a liberdade e igualdade no futebol por meio de um movimento de gestão democrática que ficou conhecido como: Democracia Corinthiana. Encabeçada por um diretor de futebol que não entendia muito de cartolagem, o jovem sociólogo Adilson Monteiro Alves, e jogadores politizados, como Wladimir, Casagrande e Sócrates, a Democracia Corinthiana pregava o voto como ferramenta de escolha para decisões do clube. Tais decisões eram tomadas apenas por dirigentes, mesmo a contra-gosto de atletas e funcionários.

“ Um médico, um revoltado quase na adolescência, um negrinho de muita personalidade”.
Nas palavras do sociólogo e jornalista Juca Kfouri o movimento da Democracia Corinthiana resulta de abeças diferentes, mas voltadas mais ou menos para a mesma direção.

       Desde concentrações, viagens e até escolhas de treinadores passavam pela seleção democrática, onde os votos tinham o mesmo peso, desde o roupeiro até os diretores de futebol do clube. Isso tudo está acontecendo num momento em que os brasileiros não podiam escolher quem seria seu presidente há 17 anos.

Coincidências do futebol ou não, depois desse novo regime democrático o Corinthians ganha dois títulos paulista consecutivos, o que não acontecia há trinta anos.

      Tendo em vista o grande apelo popular que o futebol tem no Brasil e a capacidade de instigar pessoas com pouco interesse por política, não demoraria muito para que o exemplo de democracia exercido nos campos também fosse desejado pela sociedade e se manifestasse na vontade de votar para presidente.

      A passagem da Democracia Corinthiana dos campos de futebol para o campo político nacional se materializa em abril de 1984 no comício pelas “Diretas Já” que acontece no Vale do Anhangabaú. Na presença de mais de um milhão e meio de pessoas, Sócrates anuncia que se a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que restabelecia o direito de eleições diretas , fosse aprovada ele recusaria a oferta do Fiorentina da Itália e permaneceria no Brasil.

Sócrates: "Se a emenda for aprovada, eu não vou embora do meu país".

      A emenda não foi aprovada por não obter os 2/3 exigidos no congresso. Cumprindo o que prometera, Sócrates deixa o Corinthians para ir atuar no futebol italiano. Mas as manifestações populares que levavam milhões de pessoas às ruas e os 298 deputados que votaram a favor da Emenda Dante de Oliveira, demonstravam que o regime ditatorial não se sustentaria por muito tempo.


      Em tempos onde estamos sendo governados de forma ilegítima por um presidente inelegível – que atinge índices de rejeição popular que chegam a 68%, rejeição essa que abrange prós e contra impeachment -, é sempre bom reavivar na memória momentos e exemplos de resistência aos desmandos dos dominantes.  Assim como Sócrates e os outros desportistas corinthianos que mostraram para o Brasil como as coisas podem ser diferentes por meio da liberdade e igualdade de escolha, mesmo vivendo sob um regime autoritário e opressor onde a vontade popular não era ouvida e, muitas vezes, criminalizada.



Pedro Paulo Martins:  Professor/Historiador, Cabeça Chata, e Tricolor de Aço.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Sobre Pênaltis, presidentes e a responsabilidade na marca da cal

50 anos após esse texto ser escrito e muito futebol ter sido vivido, os torcedores de Palmeiras e Corinthians ainda irão lembrar vividamente da noite do ano 2000 durante a partida das Libertadores. Também se lembrarão, Brasil e Itália, duas nações apaixonadas por futebol, de um dia em julho de 1994. Perceba que não preciso citar os fatos. Você sabe do que eu estou falando. Pênaltis são tão importantes que é comum dizer que os presidentes deveriam cobrá-los. São momentos de oportunidade única e por isso mesmo de pressão correspondente. E o que esperar quando a penalidade máxima aparece e realmente os presidentes estão ali para cobrar?
Tal qual 2000 e 1994, o ano de 2016 será marcado como um ano inesquecível com os dois lados descrevendo cenas e emoções bem diferentes de parte a parte. Desta vez, entretanto a marca da cal não está sobre o relvado. A marca fatal está sobre o sistema político brasileiro. O ano de 2016 já é o ano mais importante da nova república brasileira. Manifestações de todos os tipos e tamanhos ocorreram e ocorrem por todo o país. A presidenta eleita foi impedida em processo até agora controverso. O ex-presidente da câmara foi afastado com o dedo em riste para o núcleo do novo governo. O maior presidente desde JK foi formalmente acusado pelo maior processo anti-corrupção do país e o seu antecessor se abstém durante a tempestade.
A nossa penalidade máxima política tinha três possíveis cobradores. Três presidentes, como manda o léxico futebolístico. A primeira perdeu inúmeras chances claras de gol, enervou-se, cometeu faltas e no momento de receber cartão amarelo viu a cor vermelha de seu uniforme a lhe expulsar. Era a oportunidade do próximo passo na política brasileira. Uma administradora eficiente saiu-se como péssima politica e gerente medíocre. O primeiro pênalti fora perdido.
        Eis que vem o craque do time para a cobrança. A muito dizem que está aposentado. Porém, o anúncio do seu nome faz tremer qualquer adversário. A ele poderia caber uma cobrança simples. Um tiro certeiro. Mostrar como se faz e pendurar a chuteiras por cima. Sairia como o rei da grande área, indiscutível.
O ego e uma entrada duvidosa o tiram do rumo e temos mais uma cobrança sendo perdida. O país tem a chance de renovar o time com o trio de arbitragem mais enérgico que já veio a campo. A vontade causa ânsia e esta é inimiga da ponderação serena. Temos no momento um imbróglio. Tal qual no milagre dos aflitos temos jogadores e arbitragem a se estapear sobre a marca da penalidade. O jogo está no seu momento mais sujo. O ódio da torcida adversária direcionada ao craque de vermelho pressiona o árbitro e este parece se deixar levar. O grito da multidão abafa a dúvida, infelizmente. E é neste momento que se deve esperar mais dos maiores jogadores.
Pois o último recurso a esse impasse é outro presidente. Um que o silêncio traz mais incômodo que a ação. Já deveria ter chegado perto do craque do outro time e acalmado os ânimos, conversado de lado. Mas não o faz. Sua equipe está rachada. Disputas de vestiário. Uma mera conversa com o adversário poderia ser visto como traição pelos colegas e pela torcida. É clássico em final de campeonato, ora pois.
       E com esse desenrolar todas as oportunidades de cobrança vão sendo desperdiçadas. O país fica estático com os olhos na grande área, respiração presa vendo a oportunidade de avanço no placar se esvair. A chance não pode ser perdida. A torcida precisa ver gols para amainar a vontade de sangue. Daqui a 50 anos esta disputa de pênaltis não será esquecida. Que no fim minha cabeça já cheia de cabelos brancos tenha uma memória positiva, apesar de no presente a imagem ser triste. A marca da cal ainda permanece lá, mal tratada e à espera do jogador que a respeitará com a importância que tem. Pois quando você olha muito tempo para a marca do pênalti, a marca do pênalti olha para você.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Quando o capitão abandona o barco.

Marquinhos Santos chegou ao Fortaleza no dia 5 de março deste ano. Legou do demitido Flávio Araújo um time claudicante no Campeonato Cearense, que vinha num misto de resultados medianos e péssimas apresentações, mesmo tendo mantido a base do ano anterior e possuidor de talentos individuais inquestionáveis como o zagueiro Lima, o volante Correa e os meias Éverton e Daniel Sobralense. Com um currículo que incluía passagens pelas categorias de base de Atlético-PR e Coritiba, além da Seleção Brasileira sub-15 e uma posterior migração para o profissional do próprio Coritiba e depois Bahia - com as conquistas de títulos estaduais nos dois times - Marquinhos se apresentava como uma opção inovadora, um técnico jovem e de uma mentalidade diferente dos dinossauros que por aqui passaram nos últimos(sofridos) anos de série C.

Marquinhos enquanto comandava a seleção sub-15

Os resultados começaram a surgir, o time encaixou e a torcida passou a se empolgar com o que se pronunciava para o resto do ano. O título de Campeão Cearense foi só começo, o bi estava garantido. Em seguida vieram as expressivas eliminações de Flamengo e América-MG na Copa do Brasil, ambos times da Série A, com elencos bem mais fortes e orçamentos bem mais rechonchudos do que os do tricolor cearense. A campanha na Série C também seguia tranquila, apesar de alguns resultados adversos em uma ou outra rodada e a perda de peças importantes ao longo da competição, como o volante Dudu Cearense e o meia Jean Mota, que partiram para Botafogo e Santos, respectivamente. Em apenas uma rodada da fase classificatória o time terminou fora do G-4(o grupo de 4 times que garante classificação para a próxima fase) e, como nos últimos anos, acabou terminando a primeira fase na liderança, o que lhe garantiu mais uma vez o direito de decidir o mata-mata em casa. 

O bom trabalho desenvolvido pelo técnico paulista de 36 anos fez com que ao longo da competição surgissem inúmeros boatos, alguns verdadeiros, de propostas de outros times. Bahia, Santa Cruz e América-MG foram alguns dos clubes que amedrontaram a massa tricolor com a possibilidade de perder seu comandante. Entretanto, a resposta do técnico era sempre a mesma: só saio do Fortaleza após a conquista da Série C. Marquinhos não falava apenas no acesso, para ele isso era muito pouco. Para ele, o que valia era o título da competição. As notícias que corriam do Pici eram as de que o treinador por vezes varava a madrugada(já que sua família não o havia acompanhado a Fortaleza, permanecendo com residência no Sul do país) trabalhando, estudando os adversários, tentando ajustar cada vez mais o time...Um técnico jovem, comprometido com o projeto de tirar o clube da Série C após sete anos e que havia conquistado o respeito do grupo de jogadores. A torcida não podia desejar melhor cenário.

36 jogos à frente do Leão: 19 vitórias, 9 empates e 8 derrotas.


Eis que agora, após o empate contra o Botafogo-PB em João Pessoa pela última rodada da fase classificatória, quando se conheceu o adversário para o tão esperado mata-mata(Juventude-RS), a torcida tricolor desperta na manhã desta segunda com a triste notícia de que seu comandante pulou do barco. Marquinhos entregou o cargo na madrugada de segunda pra domingo e vai assumir, com efeito imediato, o time do Figueirense-SC que faz péssima campanha na Série A do Brasileirão, estando na zona da degola. O mandatário tricolor Jorge Mota disse em seu facebook que o treinador apresentou algumas razões para aceitar o convite do time catarinense: proposta financeira, visibilidade de atuar na Série A, além da distância da família. Além disso, Jorge já anunciou Hemerson Maria, que conquistou o título da Série B de 2014 com o Joinville, como novo técnico do Fortaleza.

O sentimento de decepção da torcida é geral. Nas redes sociais, um misto de revolta e descontentamento. Mesmo sabendo que os clubes não exitam em demitir seus treinadores quando o trabalho vai mal e que estes são profissionais que também devem pensar em seu futuro, a cabeça do torcedor não digere bem esse tipo de "traição". Os setoristas do clube já anunciam outras razões para a saída do técnico tricolor, que apontam para brigas e disputas internas. Nunca saberemos de verdade o que aconteceu. O que importa é que, no momento mais importante do ano, todo o projeto de tirar o time da Série C encontra-se agora em risco de fracassar outra vez. Hemerson Maria dispõe de duas semanas para treinar o elenco, entender a dinâmica do time e tentar dar sua cara para os dois jogos que se avizinham, os mais importantes da temporada. Quanto à Marquinhos, há um ditado bastante conhecido que diz que um capitão deve afundar com seu navio. Ele decidiu fazer diferente. Decidiu abandonar o barco, mesmo que o porto seguro - o acesso - já se apresentasse á vista e que a embarcação estivesse longe de apresentar motivos para preocupação de naufragar. Obrigado pelos serviços prestados e nos vemos por aí, afinal, o mundo da bola gira e o dia de amanhã é uma incógnita.    



Duddu Pontes - católico romano, marido da Laryssa, estudante de enfermagem, tricolor desde nascimento e mancuniano por opção.

domingo, 18 de setembro de 2016

A magia dos números

Todo torcedor seja ele rato de estádio, torcedor de sofá, o gourmet das arenas, o pé de rádio ou aquele que só vê um jogo de vez em quando já deu seus pitacos de esquemas táticos, formações, e os motivos pelos quais o técnico tirou esse ou aquele jogador do time. Milhares de números costumam faze parte das análises tão famosas hoje em dia, 4-3-3, 4-4-2, 4-2-3-1, 3-5-2, 3-6-1... muitas são as formas de dispor um time em campo, mas como já disse uma vez Johan Cruyff (que homem): “Jogar futebol é muito simples, mas jogar um futebol simples é a parte mais difícil do jogo.” A busca pela formação ideal nem sempre foi uma das principais características dos times e seleções antigamente, se hoje observamos essas variações que buscam o simples é porque já houveram outras tantas adaptações do esquema de jogo que já foram referência e hoje algumas estão esquecidas.

Aqui no blog, dentre várias abordagens, vamos fazer uma longa viagem até os dias de hoje, passando pelas grandes esquadras que foram reverenciadas e copiadas, e são lembradas em alguns discursos. Quem nunca ouviu falar da maquina húngara de 50-54, do Brasil de 70, a Holanda em 74 e seu famoso carrossel e vários times que marcaram época, cresci ouvindo do meu pai relatos como esse e hoje podemos recorrer aos vídeos e relembrar, ou ver pela primeira vez grandes lances e entender como cada um funcionava e, ao mesmo tempo em que aterrorizavam adversários, encantavam estádios mundo afora.

Mas calma, não sou e nem pretendo ser o senhor da razão, o dono da verdade, admiro vários estilos de jogo e a peculiaridade de cada um. A histórica e sempre eficiente defesa italiana, o envolvente e técnico estilo brasileiro, o veloz jogo inglês, o jogo espanhol cadenciado, ou irritante para alguns, o aguerrido jogo argentino que já teve o D10s como um ápice de magia... cada um admira e compara a bel prazer, nosso singelo trabalho aqui no espaço é apenas mostrar com muito prazer a contribuição que cada um dessas dezenas de exemplos trouxe ao mundo da bola hoje. Vamos ao que interessa, no próximo post vamos comentar um pouco da Hungria de 1950, liderada pelo ícone Ferenc Puskás e os feitos alcançados pelo time e por este monstro da área.

Denis Mourão, vascaíno e boêmio sim senhor /+/